dezembro 31, 2018

A 1950s kind of gal

Eu adoro o fim de ano.
Poderia detestar. Desde a reflexão sobre o término de mais um ano sem que se tenha feito nada do que se tinha planeado 365 dias atrás até ao inchaço, digamos assim, decorrente da estupidez de comida que se ingere, tem tudo para se odiar os últimos 15 dias do ano.
Mas eu não, eu gosto. Gosto de tirar uns dias de férias e ficar na casa amplamente decorada dos meus pais. Gosto de mandriar no sofá enquanto, lá está, como o meu peso em bolo rainha. Gosto da lareira, da cadela aos meus pés e de pura e simplesmente não pensar em nada.
Este ano, decidi gastar tempo que não retorna em telefilmes de Natal. Sim, telefilmes de Natal.
Todos da Hallmark, um canal que em tempos a Cabovisão tinha, mas que deixou de operar na Península Ibérica, e que se especializou em telefilmes. Parece que o negócio dos postais era muito lucrativo e eles decidiram expandir para outras coisas.
Os telefilmes são a coisa mais lamechas, previsível e formulaica que se possa imaginar. Os telefilmes de Natal, contudo, são excelentes para motivar uma pessoa a entrar no espírito de Natal: todos eles têm lugar numa qualquer terrinha suburbana americana que leva o Natal muito a sério, com tudo decorado a rigor, festivais de Natal e grupos que levam cânticos natalícios às portas dos seus vizinhos.
Ver um telefilme destes começou por ser um guilty pleasure, mas rapidamente se tornou um estudo sociológico. É que assim que acaba um, a Fox Life faz questão de transmitir logo outro, sem intervalo. E uma pessoa até já está tão encaixada no sofá e tão quentinha que para quê sair do sítio? Até poderia mudar de canal, mas a certa altura até quero ver onde aquela história vai dar.
O resultado, na realidade, é sempre o mesmo: senhora de carreira vê-se apanhada em dita terrinha a designar, conhece senhor (muitas vezes também forasteiro e, com muita frequência, pai viúvo), quer urgentemente voltar à sua cidade, mas uma série de enganos mantêm-na lá; no final, ela percebe que a vida que tem e sempre havia ambicionado na grande cidade não tem qualquer alma e não a satisfaz, por isso decide desistir de tudo e ficar na terrinha pequena, mas cheia de coração.
Há várias características que tornam estes filmes um. Um deles é que o sentido de comunidade e a família são o mais importante e estão acima de tudo. E, se pensarmos bem, são, mas não daquela forma. Estes filmes fazem questão de impingir que o equilíbrio não é possível, que só o "tudo ou nada" é a solução. Não se pode trabalhar e procurar conciliar carreira com a família e tudo o que a envolve. É imperativo dedicar todas as horas acordada a marido, filhos e comunidade. Naturalmente, o marido tem de trabalhar e pode - deve! - sair de manhã e só voltar à noite. A senhora está lá para garantir que tudo funciona como deve ser e esse é o sentido da vida. Comprar comida feita? Sacrilégio! Sobretudo se forem bolachas de Natal. Que mulher respeitável compra bolachas em vez de as fazer? Claro que merece os olhares de reprovação. A ambição pessoal é pecado e deve ser desencorajada porque o contributo feminino para a sociedade tem de passar pelo cuidado dos outros e anulação completa do ego.
Poderá haver quem queira tomar essa decisão de livre vontade. Haver filmes que veiculam a mensagem de que esse é o único caminho faz-me transportar para os EUA pós-II Grande Guerra em que as revistas, anúncios e indústria cinematográfica se uniram para mandar as mulheres para casa porque os homens voltaram traumatizados e precisavam que alguém tratasse deles como se voltassem a ser crianças em casa da mãe.
Mas deu-me vontade de fazer bolachas e decorar todos os cantos da casa. Nisso foram bem-sucedidos.

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