outubro 22, 2014

Damn, who the hell is she?

Todos já passámos pela experiência "conheço alguém igual a ti!", certo?

Certo. Pelo menos, quase toda a gente que conheço já ouviu esse comentário, carregado de um entusiasmo excessivo para aquilo que é, pelo menos uma vez na vida.
Só que eu não. Eu pertencia a uma elite que se podia orgulhar de ser única, de não haver ninguém fisicamente parecida com ela, de ouvir com frequência que tem traços pouco comuns. Isto era eu até finais do passado mês de Setembro. Ah, como eu vivia numa idílica bolha preenchida por um valor próprio superior ao dos outros. Essa bolha foi brutalmente rebentada por um quasi-albino numa FNAC. Ao menos, poderia ter sido numa Arcádia; recebia tristes notícias, mas emborcar chocolates de qualidade ajudaria a suavizar o golpe!

Procurava eu funcionário simpático e prestativo e cruzo o olhar com um funcionário assustado e desconfiado. Depois de me aproximar, lá relaxou, mas presenteou-me com um "antes de mais nada, conheço alguém que é igual a si! Até me assustei porque pensei que era ela". Mas quê? Ela é má? Ela bate-te? Ela ameçou-te que se te visse outra vez te atirava ácido a essas sobrancelhas brancas e próximas da inexistência?
OK, disse eu. O que é que uma pessoa responde a algo deste género? "Pois, está bem" é o que sai porque não há mais nada que se possa dizer.
Completei a transacção e, no final, ele despede-se com "e não se esqueça: se for a Lisboa e encontrar uma sósia, não se assuste." Sim, sim, muito obrigada, pessoa esquisita.

Duas semanas mais tarde, quis o destino que eu tivesse de ir a Lisboa. Nunca mais tinha pensado naquele encontro na FNAC, mas o espírito da minha sósia perdida pairava no ar e guiava os meus movimentos. Só assim se explica que, no metro, me tivesse sentado em frente de uma senhora que se pôs a olhar insistentemente para mim e que nem sequer era discreta. Quando percebeu que a sua dúvida não seria desfeita. Inclinou-se para a frente e roçou a minha perna ao de leve com uma familiaridade, essa sim, assustadora.

- Olhe, desculpe, a menina não trabalha no hospital dos Anjos?

Se fosse um gajo a perguntar-me isto, acharia que era um piropo, a que se seguiria "é que linda como és, só podes ter vindo do Céu eheheh" ou uma parolice do tipo. Mas não, era uma senhora de meia idade que demonstrava uma genuína vontade de conhecer a minha actividade profissional.
Não, minha senhora, não trabalho no hospital dos Anjos. Nem sequer sou de Lisboa, ou moro cá.

- Ah, não me diga? Eu ia jurar que era uma médica que me tratou lá. Eu estava aqui a olhar para si e a perguntar-me "é ou não é?" e tive mesmo de perguntar.

- Pois, mas não sou… (sorriso amarelo)

- É incrível como algumas pessoas são iguais, não é?

Aceno a cabeça e olho para o negro infinito do túnel para lá da janela da carruagem.

Várias perguntas me passaram pela cabeça: esta médica e a amiga do funcionário da FNAC são a mesma pessoa? Se sim, quem é esta pessoa? Onde é que arranjo o nome dela? Qual é o hospital dos Anjos? É o D. Estefânia ou está a escapar-me alguma coisa? E por que é que não encontro o corpo clínico do hospital? Preciso de respostas!

Estas duas histórias entrelaçadas começam a atormentar-me. A ideia de haver um outro eu, só que mais bem sucedido e aparentemente muito querida pelos seus utentes, deprime-me e faz com que os meus 30 anos sejam ainda mais difíceis de enfrentar. Espero que ela ao menos seja gorda para tornar a minha existência em relação à dela um bocadinho mais feliz.